Texto Robson Loureiro
Fotos Rogério Lima
É com um sorriso
tímido e simplicidade que fomos recepcionados por Hadna Abreu no portão de sua
casa. “Meu portão é todo graffitado. ‘Facim’
de achar” ela tinha dito, e realmente não tinha como duvidar. O grafite de
Godo (outro artista local cada vez mais reconhecido) denunciava que ali era o
endereço dessa jovem artista plástica que deixou o emprego e a faculdade (com o apoio total dos pais, como frisa
bem) pra se dedicar totalmente à paixão pela arte.
A casa é simples, mas
bem espaçosa, e mais grafites e desenhos são encontrados. Na parte interna do
muro o Coletivo Adere (grupo artístico de intervenção urbana, do qual Hadna faz
parte) registrou sua passagem, e dentro da casa quadros da própria artista estão
presentes. A família está na sala, em uma reunião, e em uma parede há alguns
retratos antigos de crianças. “A parede
dos netos” explica. Subimos uma estreita e íngreme escada de madeira pra
chegarmos ao seu ateliê, montado a seis meses, no antigo depósito da casa,
quando parou o curso de Artes Plásticas da Ufam – Universidade Federal do
Amazonas. “Só falta a monografia”
garante.
O ateliê tem paredes
e chão de madeira, e uma mesa alta para trabalhar. Estante com antigos livros,
uma cômoda, uma grande janela pra rua da frente, e muito material de trabalho,
que vão desde pincéis, grafites e canetas, a grandes cartolinas, além de caixas
e caixas de papel. Outros trabalhos estampam as paredes, como os lamb-lamb dos
quais explico melhor mais à frente.
É nesse cenário de
trabalho artístico onde sentamos e começamos nossa conversa. O primeiro passo é entender como uma
universitária da rede pública, bem empregada como responsável da criação visual
do ICBEU, de carteira assinada, resolve largar tudo pra viver de artes. Claro,
antes reunindo coragem e planejamento prévio.
“Bem, eu planejei bem né. Larguei o emprego, deixei uma graninha
guardada. Aí acabou essa grana, mas já tinha falado com meus pais da situação e
pedi que me dessem dois anos pra produzir e ver o que daria né. Pra ver se isso
era apenas utopia, uma coisa ilusória, ou se realmente só faltava eu meter a
cara. E agora eu tô metendo a cara (risos).”
E metendo a cara de
verdade. Nos seis meses de trabalho focado Hadna já é reconhecida no circuito
nacional como uma grande promessa, além de estar participando de vários
projetos e exposições. Segundo o artista plástico e professor Turenko Beça, o
que lhe chama atenção em seu trabalho são a expressividade, delicadeza, e
dedicação. “Gosto da poética e gosto mais
ainda da humildade dela em sempre querer aprender mais e também da compulsão
produtiva que ela tem. Me vejo muito nela quando iniciei minha carreira.
Acredito que ela será um dos grandes nomes da arte em nosso estado em breve!”
Planejado foi, mas
não desde o começo. O interesse era de continuar na empresa, fazendo “de um
tudo”, mas ela sentiu falta da criação e dos trabalhos manuais. Da matéria. Da
substância.
“Já ‘tava’ me incomodando o fato de eu não ‘ta’ com tempo necessário pra
fazer uma boa produção.” Trabalho e faculdade já consumiam muito, e não
havia a tranquilidade necessária para se entregar de verdade aos projetos
pessoais.
A
‘tarada por velhinhos’
Foi ainda na
faculdade que o apelido surgiu, das chacotas dos colegas quanto às suas
caricaturas de idosos. Em um trabalho de semiótica começou a rabiscar e os
personagens foram se formando. Sempre velhinhos. Sempre voando, sorrindo, e
livres. “A alma é jovem. Só o que
envelhece é o corpo” proclama a artista de 23 anos.
O gosto por linhas e traços
fortes lhe levou ao tema da velhice, mas a inspiração real veio do avô, de 81
anos, que já debilitado pela idade necessita cada vez mais do apoio familiar.
Segundo ela o relacionamento do avô com os filhos sempre foi difícil. “Minha
mãe e tios quase não brincaram na infância. Acordavam cedo pra trabalhar,
apanhavam e eram castigados” conta. Isso lhe mostra hoje que o amor é mais do
que carinho e romance. Amor é perdão e renúncia. É abrir mão de muita coisa
pelo outro que necessita de um cuidado especial.
Os rabiscos acabaram
virando esculturas, recortes, até chegar no lamb-lamb, um dos formatos mais
substanciais em seu trabalho. Essa técnica consiste em colar pôsteres, de
tamanhos variados, em espaços públicos, e podem ser pintados individualmente
com tinta látex, spray ou guache. Os velhinhos ganharam uma maior proporção e
começaram a aparecer nas ruas de Manaus. O primeiro ganhou o viaduto do Coroado,
mas já está gasto. Mesmo assim, quem já passou por baixo do viaduto da Constantino
Nery deve ter visto um de seus idosos voadores reunido a desenhos de artistas
como Raiz e Isy, contrastando com o cenário urbano da nova metrópole.
E o contraste é o que
mais embeleza esse seu trabalho. As imagens idílicas dos idosos sendo
carregados por balões, ou voando com passarinhos, sempre sorrindo, passam a
sensação de paz e liberdade. Sobre isso ela comenta: “Gosto de um trabalho leve. Algo que traga alegria às pessoas. Suave.”
E ‘suave’ é a definição certa do seu trabalho com o lamb-lamb. Apesar das
proporções é impossível ser indiferente à obra. Ainda mais quando ela relembra
a forma como muitos lidam com a velhice. “Os idosos são muito esquecidos na
nossa sociedade. [...] Acho que falta um olhar mais do governo, um olhar mais
da família. Eles envelhecem, ficam pesados, tem que ser movidos, lavados,
alimentados. Ainda são muito desprezados.”
Produzindo
coletivamente
As intervenções
urbanas trouxeram o desejo de se reunir com outros amantes da arte, nascendo
assim o Coletivo Adere. Passados alguns meses outras responsabilidades e
necessidades dos participantes do grupo os levaram a deixa-lo, e ele foi
desativado. Porém existem planos de reativá-lo, com uma nova roupagem, e novo
formato.
Atualmente ela está
apoiando o coletivo Aldeia Tucandeira, que busca não só os trabalhos artísticos
como também oficinas de grafite, culinária vegetariana, violão e de criação de
hortas.
“Quem sou eu, qual é o meu trabalho.”
Hoje Hadna está dando
um tempo das atividades. Tendo participado recentemente de uma exposição, e
sentindo a pressão por novos trabalhos e conceitos de obras, achou melhor parar
um pouco e repensar tudo o que tem vivido. Sabe que ainda é muito nova no
circuito pra ser considerada uma artista plena, e se julga na fase da
descoberta, onde ilustração e papel são seus focos principais.
Existe ainda muito
terreno a ser percorrido, mas com o contínuo apoio da família, dos novos
colegas da área, e dos admiradores de suas obras, muito ainda poderemos
acompanhar dela. Sim, a alma é jovem, e é nesse momento que é a melhor hora de
arriscar.
2 comentários:
obrigada pelos escritos pessoal. Muito grata. Que seja isto, há muito trabalho a ser trilhado pela frente.
Obrigada pelos escritos pessoal. Muito grata. Há muito trabalho ainda pela frente.
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